Falecimentos: Roger Corman (1926-2024)

Uma das últimas lendas vivas do cinema, o diretor e produtor Roger Corman, faleceu em 9 de maio, aos 98 anos.

Não tem como medir a importância de Roger Corman para a indústria cinematográfica. Qualquer um que experimentou a juventude como cinéfilo nos anos 60 e 70 deve se lembrar de experiências prazerosas de assistir a filmes como O Solar Maldito, A Loja dos Horrores, O Poço e o Pêndulo, O Túmulo Sinistro, Muralhas do Pavor, O Corvo, Corrida da Morte – Ano 2000, Pelos Meus Direitos, Piranha, entre outros, que tiveram a assinatura de Corman, como diretor ou como produtor.

Diretor e produtor de incontáveis filmes, a maioria de baixíssimo orçamento mas que se tornaram obras-primas reverenciadas – especialmente o seu ciclo de filmes inspirados por obras de Edgar Alan Poe -, ele também atuava como ator (muitas vezes não creditado) em seus próprios filmes. Mais tarde começou a aparecer em cameos em filmes de seus ex-protegidos, como uma espécie de homenagem dos alunos ao mestre. Como produtor, Corman lançou toda uma geração de cineastas (Coppola, Scorsese, Jonathan Demme, Joe Dante, James Cameron, Ron Howard, Peter Bogdanovich) e deu início à carreira de vários atores (William Shatner, Robert De Niro, Jack Nicholson, Peter Fonda), e manteve veteranos (Vincent Price, Peter Lorre, Basil Rathbone, Boris Karloff) ativos em um período de suas carreiras em que dificilmente teriam obtido papéis significativos devido à idade avançada.

Roger Corman com o diretor Jonathan Demme no set de O Silêncio dos Inocentes.

Para início de conversa, Roger Corman não foi apenas o papa dos filmes B baratos e rodados às pressas para reduzir custos, ele definitivamente jogou Hollywood na idade moderna da produção cinematográfica, atuando em uma época em que a maioria dos estúdios falia ou restringia suas atividades, e nunca teve um centavo de prejuízo com seus filmes. Além disso, Corman abriu o mercado norte-americano para produções estrangeiras (Bergman, Truffaut, Fellini, Herzog) que do contrário não teriam tido tanta visibilidade no estreito mercado dominado por Hollywood, ajudando a criar no público o hábito de assistir a filmes em outros idiomas além do inglês. Corman foi um gênio incansável, capaz de rodar um filme inteiro em duas noites e um dia, ou dirigir duas produções simultâneas, usando praticamente os mesmos cenários e o mesmo elenco. A carreira como diretor perdeu fôlego a partir do começo dos anos 80, mas Corman continuou atuando como produtor e distribuidor em inúmeros projetos para o cinema e também para a televisão.

Uma vida inteira dedicada ao cinema, Corman permaneceu ativo em seus noventa e poucos anos como produtor, e mais teria contribuído para a indústria se a saúde lhe permitisse. Roger Corman faleceu em sua casa em Santa Monica, na Califórnia, cercado pela família e amigos. Corman deixa sua esposa, a produtora Julie Halloran, com quem estava casado desde 1970, e as filhas Catherine e Mary, e um legado inestimável e o amor incondicional de toda a indústria do entretenimento.

Uma vida inteira dedicada ao Cinema

Roger William Corman nasceu em 5 de abril de 1926, em Detroit, no estado do Michigan. A princípio, queria ser engenheiro igual ao pai e após servir às Forças Armadas, concluiu os estudos em 1947. Porém, desistiu da carreira de engenheiro quatro dias após obter seu primeiro emprego na área. Ele começou a trabalhar na segunda-feira e pediu demissão na quinta, dizendo ao chefe: “Cometi um erro terrível”. Seu irmão Gene, já trabalhava na indústria cinematográfica como agente, e Roger decidiu se unir a ele, inicialmente atuando como mensageiro na 20th Century Fox. Sem perspectivas de crescimento profissional na área, Corman foi estudar literatura inglesa e morou um tempo em Paris. Na volta, tentou retornar ao cinema, como ajudante de palco, auxiliar de produção e revisor de roteiros. Ele escreveu seu primeiro roteiro, que se tornou o filme noir Consciência Culpada (1954), e trabalhou de graça como assistente de produção em troca de experiência.

Com o dinheiro que ganhou, e através da sua própria companhia, a Palo Alto, produziu e dirigiu seu primeiro filme, a ficção científica de terror O Monstro do Fundo do Mar (Monster From the Ocean Floor, 1954), que custou míseros US$ 12 mil. Entusiasmado com o sucesso como cineasta independente, produziu o thriller de corrida Velozes e Furiosos (The Fast and the Furious, 1955), dirigido e estrelado por John Ireland, e que décadas mais tarde seria a inspiração para a franquia estrelada por Vin Diesel. Ele conseguiu vender o filme para um pequeno estúdio independente, a ARC (American Releasing Company), que mais tarde se tornaria a American International Pictures (AIP), e produziu mais filmes para a empresa, que foi sua principal parceira comercial por longos anos.

Entre os filmes que dirigiu para a AIP estão incluídos faroestes como Cinco Revólveres Mercenários (Five Guns West, 1955), estrelado por com Dorothy Malone e John Lund, Pistoleiro Solitário (Apache Woman, 1955), estrelado por Lloyd Bridges, e A Lei dos Brutos (Gunslinger, 1956), além dos filmes de ação bastante populares Dominados Pelo Ódio (Machine-Gun Kelly, 1958), que ele mesmo dirigiu, e The Cry Baby Killer (1958), produzido por Corman, e que deram a Charles Bronson e a Jack Nicholson o primeiro papel como protagonistas, respectivamente, além dos filmes de ficção científica O Dia em que o Mundo Acabou (Day the World Ended, 1955), sua continuação Ameaça Espacial (It Conquered the Worl, 1956), A Mulher Viking e a Serpente Marinha (The Saga of the Viking Women and Their Voyage to the Waters of the Great Sea Serpent, 1957), o clássico cult A Ilha do Pavor/Ataque dos Caranguejos, (Attack of the Crab Monsters, 1957), e A Guerra dos Satélites (War of the Satellites, 1958), todos grandes sucessos de bilheteria. Para a 20th Century Fox, dirigiu Destino de um Gângster (I Mobster, 1958), seu primeiro filme para um grande estúdio. Corman também produziu Stakeout on Dope Street, de 1958, escrito e dirigido por Irvin Kershner em sua estreia como diretor.

No final da década, Corman passou a investir mais em sua própria companhia, a The Filmgroup, e começou a se especializar em produzir e distribuir filmes em preto e branco de baixo orçamento, bem como diversificou o gênero de suas produções de forma que melhor se adaptassem às tendências e demandas do mercado, tornando-se o rei dos drive-in, que sempre exibiam suas produções. Um dos mais famosos foi o terror de ficção científica A Mulher Vespa (The Wasp Woman, 1959), que ele mesmo dirigiu, estrelado por Susan Cabot, além de produzir A Besta da Caverna Assombrada (Beast from Haunted Cave, 1959), o primeiro filme dirigido por Monte Hellman. No ano seguinte, Corman foi para Porto Rico e produziu dois filmes consecutivos: Battle of Blood Island (1960), e A Última Mulher sobre a Terra (Last Woman on Earth, 1960), que ele mesmo dirigiu, e cujas filmagens foram tão rápidas que Corman acabou realizando um terceiro filme, rodado quase ao mesmo tempo: Criaturas do Fundo do Mar (Creature from the Haunted Sea, 1961).

O período de maior criatividade e que ficou marcado também pelo aumento da qualidade artística de seus filmes bem como o auge de Roger Corman enquanto cineasta, viria a partir de 1960, quando a AIP solicitou que ele produzisse dois filmes de terror em preto e branco baratos e rápidos. Corman vinha de uma sucessão de produções semelhantes e queria enveredar por produções mais ambiciosas e conseguiu convencer a companhia a produzir O Solar Maldito (House of Usher, 1960), adaptação do renomado escritor Richard Matheson para The Fall of the House of Usher, de Edgar Allan Poe, por cerca de 200 mil dólares. Filmado em cores vivas, cenários caprichados e clima gótico envolvente, o filme não foi só um sucesso comercial e de crítica, como marcou o início da parceria de Corman com o veterano ator Vincent Price bem como o início do seu famoso ciclo de produções inspiradas nas obras de Poe, ao qual se seguiram O Poço e o Pêndulo (The Pit and the Pendulum, 1961), Obsessão Macabra (The Premature Burial, 1962), Muralhas do Pavor (Tales of Terror, 1962), O Corvo (The Raven, 1963), A Orgia da Morte (The Masque of The Red Death, 1964) e O Túmulo Sinistro (The Tomb of Ligeia, 1965).

Dois grandes destaques desse período foram O Castelo Assombrado (The Haunted Palace, 1963), estrelado por Vincent Price e Lon Chaney Jr., que não era baseado em Poe, mas sim em uma história de HP Lovecraft, e principalmente Sombras do Terror (The Terror, 1963), que também não foi baseado em obra de Poe, mas ajudou a criar a lenda sobre a habilidade extraordinária de Corman em lidar com orçamentos paupérrimos e prazos de filmagens extremamente curtos: foi feito com as sobras da produção de O Corvo, usando os cenários antes que fossem destruídos pelo estúdio e aproveitando os dois dias restantes do contrato do astro Boris Karloff. Para conseguir completar o filme a tempo, Corman pediu que seus colegas Jack Nicholson, Francis Ford Coppola, Jack Hill e outros filmassem cada um cenas adicionais. A comédia de humor negro A Loja dos Horrores (The Little Shop of Horrors, 1960), que ajudou a lançar a carreira de Nicholson, diz a lenda, foi filmado em dois dias e uma noite. Outros trabalhos notáveis de Corman na direção foram o drama O Intruso (The Intruder/The Stranger, 1962), baseado em um romance de Charles Beaumont que traz uma atuação impressionante de William Shatner em seu primeiro papel como protagonista, e a ficção científica O Homem dos Olhos de Raio-X (X: The Man with the X-Ray Eyes, 1963), estrelado pelo veterano ator Ray Milland. Em 1963, Corman foi um dos produtores do terror Dementia 13, a estreia de Francis Ford Coppola na direção de longas-metragens. Coppola era um colaborador habitual de Corman, e já vinha trabalhando como diretor assistente em várias de suas produções.

A partir de meados da década de 1960, Corman cansou de trabalhar como cineasta independente e decidiu assinar contrato com grandes estúdios de Hollywood como a United Artists e a Columbia. “Por dez anos como independente, consegui financiamento para filmes de US$ 100.000 a US$ 300.000. Tudo tinha sido interessante, artisticamente e economicamente satisfatório. Mas decidi que não estava indo a lugar nenhum e queria entrar diretamente no negócio”, afirmou Corman. O período, porém, não foi muito produtivo, uma vez que a maioria de suas ideias eram rejeitadas pelos executivos dos estúdios, levando Corman a refletir mais tarde: “Cada ideia que enviei foi considerada por eles muito estranha, muito esquisita; e cada ideia que eles tinham parecia muito comum para mim. Filmes comuns não rendem dinheiro”. A solução após ficar um ano sem dirigir, foi voltar para a AIP e filmar Os Anjos Selvagens (The Wild Angels, 1966), estrelado por Peter Fonda e Nancy Sinatra, que inaugurou o subgênero dos filmes de motociclistas que se tornariam muito populares a partir de então. O filme foi um enorme sucesso, rendendo US$ 6 milhões contra um orçamento de apenas 350 mil dólares.

A experiência como diretor de estúdio continuou não sendo satisfatória para Corman, que via suas ideias sendo rejeitadas e ele seguidamente escalado para dirigir filmes genéricos. Ele acabou substituído durante a produção de um faroeste para a Columbia estrelado por Glenn Ford, posteriormente concluído por Phil Karlson e lançado como A Grande Cilada, em 1967. Para a 20th Century Fox dirigiu O Massacre de Chicago (The St. Valentine’s Day Massacre, 1967) e que apesar das dificuldades de Corman em se adaptar aos cronogramas e exigências do estúdio, foi concluído sem grandes problemas e acabou sendo um ótimo retorno de bilheteria. Paralelamente, ainda nesse período, Corman continuou atuando através de sua produtora, financiando filmes de diferentes gêneros e comprando obras estrangeiras que eram dubladas e remontadas com cenas adicionais filmadas por seus colaboradores: Curtis Harrington (a ficção científica Queen of Blood, de 1966), Jack Hill e Stephanie Rothman (Blood Bath, de 1966), e Peter Bogdanovich (a ficção científica Voyage to the Planet of Prehistoric Women, de 1968).

Para a AIP, Corman dirigiu Viagem ao Mundo da Alucinação (The Trip, 1967) sob os efeitos do LSD para obter a melhor visão possível para o filme que inaugurou a estética psicodélica no cinema. Escrito por Jack Nicholson e estrelado por Peter Fonda, Dennis Hopper e Bruce Dern, o filme foi remontado à revelia de Corman, abalando a sua relação de longa data com a companhia de cinema. Ele continuou fazendo filmes para a API, entre eles o thriller de ação Na Mira da Morte (Targets,  1968), estrelado por Boris Karloff em um de seus últimos papéis e que marcou a estreia de Peter Bogdanovich como diretor de longas-metragens. Como diretor, Corman fez o competente drama criminal Os Cinco de Chicago (1970), que lançou a carreira de um jovem ator chamado Robert De Niro, e a comédia de humor negro Gas-s-s-s (1970), escrita por George Armitage (que mais tarde se tornaria cineasta), mas que se tornou um dos seus maiores fracassos comerciais.

Roger Corman e Vincent Price, uma parceria que atravessou anos e vários filmes.

Para a United Artists, Corman enfim realizou um antigo projeto pessoal, um filme sobre o Barão Vermelho, Águias em Duelo (Von Richthofen and Brown, 1971), mas os problemas de produção, incluindo quedas de aviões e a morte de um membro da equipe, tornaram a experiência demasiadamente frustrante. “Dirigir é muito difícil e doloroso”, disse ele na época: “Produzir é mais fácil. Posso fazer isso sem realmente pensar nisso”. Corman fundou uma nova companhia, a New World Pictures, e passou a produzir filmes baratos que lhe davam retorno imediato, e novamente como cineasta independente obteve grande lucratividade com produções que estabeleceram subgêneros e acabaram se tornando filmes de culto: o thriller de motociclismo Motoqueiros Selvagens (Angels Die Hard, 1970), dirigido por Richard Compton, e os exploitation The Student Nurses (1971), dirigido por Stephanie Rothman, e o filme de prisão The Big Doll House (1971), esse último responsável por transformar Pam Grier na grande estrela negra dos anos 70. Corman também produziu Sweet Kill (1973), thriller que marcou a estreia de Curtis Hanson (que mais tarde faria A Mão que Balança o Berço e Los Angeles – Cidade Proibida) na direção.

O período inicial de atividade da New World Pictures se mostrou extremamente lucrativo, com o estúdio produzindo de 11 a 12 filmes por ano e todos obtendo considerável lucro seguindo a cartilha de subgêneros estabelecida por Corman com seus filmes anteriores, desde filmes de ação genéricos, a filmes de terror e de exploração sobre motociclistas, enfermeiras, estudantes ou que se passavam em prisões de mulheres. Entre os diretores revelados por Corman com esses filmes estavam Jonathan Demme, Jonathan Kaplan, George Armitage, Steve Carver e Barbara Peeters. Para a AIP, Corman produziu o filme de gangster Sexy e Marginal (Boxcar Bertha, 1972), o segundo longa dirigido por Martin Scorsese, depois de Who’s That Knocking at My Door, sua estreia em 1967 e  realizado ainda como estudante de cinema. Durante todo o período, Corman enfrentou apenas um grande fracasso comercial, o drama de ação Galo de Briga (Cockfighter, 1974), dirigido por Monte Hellman, o que o fez declarar na época que eles eram “os melhores dos artistas baratos”.

Em um momento de retração econômica nos Estados Unidos, em que cinemas fechavam, estúdios faliam e os executivos de Hollywood pensavam bem antes de investir em qualquer produção, Corman seguia lucrando com seu pequeno estúdio. Ele afirmou que a NWP era “a empresa cinematográfica independente de maior sucesso do país”. Além disso, Corman percebeu que por conta da crise na indústria do entretenimento o mercado de filmes estava se fechando para as produções estrangeiras, especialmente os chamados “filmes de arte”. Ele rapidamente comprou os direitos de Gritos e Sussurros, de 1972, de Ingmar Bergman, por US$ 75 mil e obteve um lucro em bilheterias de US$ 2 milhões. Isso o levou a investir em mais produções estrangeiras, como distribuidor para drive-ins e grindhouses onde filmes como o francês A História de Adele H (1975), de François Truffaut, o australiano Os Carros que Comeram Paris (1974), de Peter Weir, o italiano Amarcord (1973), de Federico Fellini, o britânico A Inglesa Romântica (1975), de Joseph Losey, os alemães A Honra Perdida de Katharina Blum (1975), de Volker Schlöndorff e Margarethe von Trotta, e O Tambor (1979), de Schlöndorff, e o drama soviético-japonês Dersu Uzala (1975), de Akira Kurosawa, sempre encontravam um público fiel.

Além dos lucros obtidos com a exibição de filmes estrangeiros – O Tambor, por exemplo, foi comprado por US$ 400 mil e rendeu nas bilheterias americanas US$ 4 milhões – e um contrato para produzir quatro filmes para a 20th Century Fox – incluindo Capone, o Gangster (1975), estrelado por Ben Gazarra e que trazia Sylvester Stallone em um de seus primeiros papeis importantes, Pelos Meus Direitos (Fighting Mad, 1976), dirigido por Jonathan Demme e estrelado por Peter Fonda, e Trovões e Relâmpagos (1977), aventura estrelada por David Carradine e Kate Jackson, Corman experimentou um grande sucesso comercial em 1975, quando produziu a aventura de ação Corrida da Morte: Ano 2000 (Death Race 2000, 1975), escrito por Robert Thom e dirigido por Paul Bartel, e estrelado por David Carradine e Sylvester Stallone, que levou a companhia de Corman a produzir uma série de filmes de corrida de carros, entre eles Grand Theft Auto (1978), a estreia de Ron Howard na direção. Em 1979, Corman deu oportunidade aos seus editores de trailers Joe Dante e Alan Arkush de se tornarem também diretores: Dante com Piranha (1979) e Arkush com Rock ‘n’ Roll High School (1979).

Nos anos 80, de olho no mercado de filmes de ficção científica deflagrado pelo sucesso de Guerra nas Estrelas, Corman comprou um estúdio de cinema e investiu mais de um milhão de dólares na produção de Mercenários da Galáxia (Battle Beyond the Stars, 1981), que se tornou o seu maior sucesso comercial e gerou duas imitações produzidas pelo próprio Corman: Galaxy of Terror (1981) e Forbidden World (1982). Em 1983, fez um acordo de milhões e vendeu a New World Pictures para um consórcio de advogados comprometidos em distribuir seus próximos filmes, e fundou uma nova companhia, a Millennium, que se especializou em produções B de ação, terror, ficção científica e comédias para adolescentes. Um imbróglio jurídico com os novos donos da New World levou a um acordo extrajudicial e Corman a fundar uma nova companhia, a Concorde Pictures, especializada em produções genéricas de baixíssimo orçamento.

Sem dirigir por mais de uma década, Corman retornou à direção em 1990, com Frankenstein Unbound (1990), estrelado por John Hurt e Raul Julia, e baseado no livro do escritor de ficção científica Brian Aldiss. A produção não foi muito bem sucedida comercialmente e Corman percebeu que os tempos eram outros, com a competição cada vez mais acirrada entre as produtoras, o avanço do mercado de vídeo doméstico e a enorme quantidade de filmes genéricos como os que ele fazia (cerca de 15 a 20 filmes por ano) levaram Corman a abandonar a direção e se concentrar na produção. Entre os sucessos inesperados, estão Carnossauro (1993) uma espécie de paródia de Jurassic Park lançado no mesmo ano do filme de Spielberg, e Inferno Selvagem (1991), primeiro filme do diretor peruano Luis Llosa e o primeiro trabalho de Sandra Bullock como protagonista. Em 1994, Corman foi um dos produtores de uma versão low budget de O Quarteto Fantástico da Marvel que nunca chegou a ser lançada.

Nos anos seguintes, Corman passou a produzir também para a TV, como a série Roger Corman Presents da Showtime e filmes B apresentados pelo canal SyFy, além de editar uma série de quadrinhos chamada Roger Corman’s Cosmic Comics que adaptava alguns de seus antigos filmes, e atuou como produtor executivo para remakes de antigos sucessos como Piranha, Humanoids from the Deep e Corrida da Morte. O trabalho como diretor se restringiu a programas para a TV, como a série em parceria com Joe Dante “Splatter” para a Netflix. Seus últimos créditos de tela foram como produtor em Death Race 2050 (2017) e Death Race: Beyond Anarchy (2018), sequências de seu filme cult de 1975.

Descanse em paz, mestre.

Imagem da Semana: Um Corpo Que Cai (1958)

James Stewart, Kim Novak e Alfred Hitchcock na estreia de Um Corpo que Cai.

Um Corpo Que Cai (Vertigo), a obra-prima de Hitchcock, baseado na novela D’entre les morts (1954), de Pierre Boileau e Thomas Narcejac e considerado um dos maiores e mais influentes filmes já realizados, fez sua estreia em San Francisco no dia de hoje, 9 de maio, em 1958. Na trama, James Stewart interpreta um detetive aposentado de San Francisco que é contratado por um velho conhecido para seguir a esposa (Kim Novak) que ele acredita estar influenciada pelo espírito de uma ancestral já falecida.

Alfred Hitchcock com James Stewart e Kim Novak no set de Um Corpo Que Cai.

No mesmo ano em que Um Corpo Que Cai foi lançado, James Stewart e Kim Novak estrelaram também a comédia romântica Sortilégio de Amor (Book, Bell and Candle). Apesar da grande diferença de idade, ele tinha 50 anos e ela 24, Kim certa vez afirmou que Jimmy era seu protagonista preferido de todos com quem trabalhou: “Ele me tratou tão bem. Aprendi muito sobre atuação com ele.”

Kim Novak e James Stewart no set de filmagem de Um Corpo que Cai.

Um dos problemas de Alfred Hitchcock durante a produção do filme foi convencer a atriz Kim Novak a usar o conjunto cinza, que ela odiava. Hitch planejou todos os detalhes da produção e o filme revela muitas das suas idiossincrasias. Depois de uma longa conversa, a atriz concordou em usar o figurino. “Não achei que importaria para ele que tipo de sapatos eu usaria. Nunca tive um diretor que se preocupasse com os figurinos, a maneira como foram desenhados, as cores específicas. As duas coisas que ele queria ao máximo eram aqueles sapatos e aquele terno cinza”, afirmou a atriz.

Kim Novak com o roteiro de Um Corpo que Cai, e em suas duas encarnações no filme de Alfred Hitchcock: Madeleine Elster e Judy Barton.

Após perder Grace Kelly, que em 1956 abandonou Hollywood para se casar com o príncipe Rainier de Mônaco e era a considerada a encarnação ideal da heroína loira hitchcockiana, uma das obsessões de Hitchcock era encontrar uma protagonista para substituir a atriz em seus filmes seguintes. Obviamente, nenhuma das atrizes testadas, incluindo Vera Miles em O Homem Errado (1956), Janet Leigh em Psicose (1960) e Julie Andrews em Cortina Rasgada (1966) foram convincentes. A transformação da personagem de Kim Novak em Um Corpo Que Cai expõe de forma bem clara a obsessão de Hitchcock com a imagem de suas protagonistas dentro e fora das telas.

De cima para baixo:

Doris Day: O Homem Que Sabia Demais, 1956
Kim Novak: Um Corpo Que Cai, 1958
Eva Marie Saint: Intriga Internacional, 1959
Tippi Hendren: Marnie, Confissões de Uma Ladra, 1964

Em 1989, Um Corpo que Cai foi um dos primeiros 25 filmes selecionados pela Biblioteca do Congresso para preservação no Registro Nacional de Filmes dos Estados Unidos por ser “culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo”.

Leia mais sobre Um Corpo Que Cai no Assim Era Hollywood WordPress.

IMDb: https://www.imdb.com/title/tt0052357/.

Aniversariante do Dia: Orson Welles

Lembrando o grande cineasta Orson Welles no dia de seu aniversário.

George Orson Welles nasceu em 6 de maio de 1915, no estado de Wisconsin. Antes de se tornar cineasta, foi jornalista, e ator e diretor de teatro, especializando-se em peças de Shakespeare. No começo dos anos 1930, fundou sua própria companhia, a Mercury Theatre, que também atuou no rádio, adaptando peças e romances famosos. Em 1938, sua transmissão de A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, levou pânico aos ouvintes que acharam que se tratava de uma invasão alienígena de verdade. O sucesso no rádio, o levou para Hollywood e aos 25 anos Welles pisou pela primeira vez em um estúdio de cinema com plenos poderes para construir sua obra-prima, Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), considerado por muitos críticos o maior filme de todos os tempos.

O fracasso comercial do filme, bem como pressões externas – como o lobby promovido pelo magnata da imprensa William Randolph Hearst, que não gostou de se ver retratado no personagem principal, forçou os estúdios a impor limites ao gênio rebelde e criativo de Welles. Soberba (1942) foi mutilado e montado à revelia do cineasta e ainda assim é uma outra obra-prima. Seus outros filmes, A Dama de Xangai (1947), Macbeth (1948) e Otelo (1951), não tiveram melhor sorte – mas hoje em dia são aclamados também como obras-primas. Em busca de paz para trabalhar, Welles foi para a Europa, e na Inglaterra estrelou O Terceiro Homem, de 1949, do qual foi também um dos roteiristas, e nos anos 60, na França, dirigiu e estrelou O Processo, adaptação da obra de Franz Kafka.

Orson Welles como Charles Foster Kane em Cidadão Kane (1941), sua estreia como diretor de longas-metragens, com Rita Hayworth, que foi sua segunda esposa, em A Dama de Xangai (1947), e com Charlton Heston em A Marca da Maldade (1958).

Welles só conseguiu realizar A Marca da Maldade, de 1958, por pressão do astro Charlton Heston, e mesmo assim, Welles recebeu salário apenas como ator e dirigiu o filme de graça. A Marca da Maldade foi montado também à sua revelia, e apenas duas décadas mais tarde ganhou uma versão de corte seguindo a visão original do diretor. Welles tentou concluir o que poderia ter sido o seu maior triunfo cinematográfico, uma adaptação de Don Quixote de Cervantes filmada na Espanha, mas o gênio indomável de Welles acabava por levá-lo a renegar a montagem final, destruir os negativos e refazer o filme todo novamente, o que acabou deixando-o sem financiamento. Dos casamentos, o mais famoso foi com o furacão Rita Hayworth, com quem Welles atuou uma única vez nas telas, em A Dama de Xangai, antes de ela abandonar Hollywood para se casar com um príncipe do Oriente Médio.

Jogado no ostracismo por Hollywood e se mantendo atuante graças ao prestígio que construiu dentro da indústria cinematográfica, Welles passou as duas últimas décadas da carreira trabalhando como ator e narrador, dirigindo e participando de programas de televisão e atuando como garoto propaganda de várias empresas para tentar levar adiante projetos próprios, muitos dos quais não conseguiu concluir. Alguns de seus últimos trabalhos foi como dublador nos filmes de animação Enchanted Journey (1984) e Transformers: O Filme (1986). Sua última aparição nas telas foi em um episódio da série de TV Moonlighting que foi ao ar cinco dias após sua morte. Orson Welles faleceu em 10 de outubro de 1985, de ataque cardíaco, aos 70 anos.

Clique para ler mais sobre Orson Welles.

Filmes: Os Incompreendidos (1959)

OS INCOMPREENDIDOS

Título Original: Les Quatre Cents Coups
País: França
Ano: 1959
Duração: 99 minutos
Direção: François Truffaut
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Albert Rémy, Claire Maurier, Guy Decomble, Patrick Auffay, Georges Flamant, Pierre Repp, Daniel Couturier, Luc Andrieux.
Sinopse: Por conta de uma rebeldia natural e incontrolável, o adolescente Antoine Doinel tem problemas de relacionamento com a mãe e o padrasto, e se sente perseguido pelos professores da escola. Ele mata aula para ficar andando pelas ruas com os colegas, mas um dia quando comete um roubo, é preso e mandado para um reformatório para jovens delinquentes.

Os Incompreendidos teve seu lançamento no Festival de Cannes no dia de hoje, 4 de maio, em 1959. François Truffaut, então um dos mais conhecidos críticos da revista francesa Cahiers du Cinéma, faz sua estreia na direção com uma obra-prima irretocável que se tornou um marco da Novelle Vague.

François Truffaut produziu Os Incompreendidos com George Charlot e foi o autor do roteiro junto com Marcel Moussy. O diretor foi buscar inspiração em suas memórias de infância e adolescência e também em elementos de outras obras francesas, especialmente Zero de Conduta (Zéro de conduite, 1933), de Jean Vigo. De maneira elegante e envolvente, o diretor constrói uma narrativa de passagem e amadurecimento que mostra o protagonista, Antoine Doinel, de 12 anos, se rebelando contra o sistema, representado ora pelo padrasto e a mãe biológica (que ele descobre ter um caso com outro homem), ora pelo professor que o acusa de cometer plágio em um trabalho escolar. Quando Antoine comete um roubo na empresa onde seu padrasto trabalha, ele acaba sendo preso e passa a noite na cadeia. Julgado, é mandado para um instituto para jovens delinquentes onde uma psicóloga tenta descobrir os motivos de tanta rebeldia.

O ator Jean-Pierre Léaud corre pela praia seguido pela equipe de filmagem para a cena final de Os Incompreendidos, de 1959. O filme marcou a estreia de François Truffaut na direção e foi o primeiro de cinco filmes sobre Antoine Doinel, personagem inspirado na vida do próprio cineasta.

Para melhor compreensão do protagonista é interessante mergulhar na biografia de Truffaut como um jovem sem rumo que assim como Antoine Doinel, Truffaut nunca conheceu seu pai biológico. Como nasceu fora do casamento, seu nascimento teve que permanecer em segredo por causa do estigma da ilegitimidade. Ele foi registrado como “criança nascida de pai desconhecido” nos registros do hospital e cuidado por uma enfermeira por um longo período de tempo. A mãe de Truffaut, Janine de Montferrand, casou-se com Roland Truffaut, que o adotou como filho e lhe deu o sobrenome. O casal teve outro filho, mas que morreu logo após o nascimento. Esta experiência traumática fez com que o casal projetasse suas dores no garoto e o tratassem com negligência e distanciamento.

François Truffaut foi enviado para viver com a avó e só retornou ao convívio dos pais após a morte dela quando ele tinha 8 anos. Com o avó ele aprendeu a amar filmes e livros, e foi com essa idade que ele assistiu seu primeiro filme, Paradis Perdu, de 1939, de Abel Gance. Ele matava aula para ir ao cinema, na maioria das vezes entrando escondido porque não tinha dinheiro para pagar as sessões. Desprezado pelos pais, ele passava o máximo possível do tempo fora de casa, com os amigos, entre eles Robert Lachenay, que serviu de inspiração para o personagem René Bigey em Os Incompreendidos e mais tarde trabalhou como assistente em alguns filmes de Truffaut. Aos 14 anos, depois de ser expulso de diversas escolas, decidiu abandonar os estudos e buscou asssitir e ler todos os filmes e livros que pudesse. Ele passou a frequentar bibliotecas e cinematecas, entre elas a de Henri Langlois, através da qual teve acesso a filmes de John Ford, Howard Hawks, Nicholas Ray e Alfred Hitchcock.

Apesar da forma como seus pais o tratavam – eles chegaram a viajar no Natal deixando-o sozinho em casa, e as lembranças que guardou de ser maltratado pela mãe, Truffaut amava a ambos e tentava demonstrar esse amor cuidando da casa da melhor maneira que conseguia, geralmente com resultados catastróficos que o faziam ser castigado várias vezes. Esse sentimento é percebido em Antoine na forma como Truffaut mostra o garoto convivendo com os pais em um minúsculo apartamento em Paris. Ir com eles ao cinema, é para o menino uma experiência edificante e uma das raras vezes em que demonstram ser uma família de verdade. Quando ele descobre que a mãe tem um amante ao vê-la na rua com outro homem durante uma escapada da escola, cria-se um novo laço entre mãe e filho, onde um guarda o segredo do outro, e a mãe subitamente passa a tratá-lo com mais zelo, inclusive dando banho, e ganhando a confiança dele.

Mas assim como Antoine, que ameaça embarcar em uma vida de crimes ao roubar uma máquina de escrever do escritório onde seu padrasto trabalha e, não conseguindo vendê-la, é apanhado tentando colocá-la de volta, a vida teria sido bem cruel também para Truffaut se ele não tivesse conhecido o renomado crítico de cinema André Bazin, que não só se tornou uma espécie de pai espiritual para ele, como por diversas vezes o ajudou a livrar-se de dificuldades financeiras e mesmo processos criminais por pequenos delitos que cometia, inclusive ao livrá-lo da prisão após sua tentativa de abandonar o exército francês, ao qual ingressou em 1950, aos 18 anos. Bazin usou seus contatos políticos e se encarregou de oferecer a ele um emprego em sua revista de cinema recém-fundada, a Cahiers du Cinéma. Na revista, Truffaut tornou-se um crítico implacável do cinema francês de sua época, o que o fez ser odiado por cineastas e tornar-se persona non grata no Festival de Cinema de Cannes de 1958 – ele foi o único crítico francês que não foi convidado. No ano seguinte, porém, Truffaut concorreu à Palma de Ouro com Os Incompreendidos. Ele não venceu, mas ganhou o prêmio de melhor direção. O filme também foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original, além de conquistar vários prêmios em outros festivais e se tornar um grande sucesso comercial na França.

Truffaut dedicou Os Incompreendidos ao seu mestre André Bazin, que faleceu pouco antes do início das filmagens. Graças ao prestígio como crítico de cinema, ele conseguiu reunir no filme uma pleiade de grandes nomes do cinema francês da época em participações-relâmpago: Jeanne Moreau, Jean-Claude Brialy, Philippe De Broca, Jacques Demy, Jean-Luc Godard e Jean-Paul Belmondo – sendo os dois últimos apenas como vozes ouvidas durante o filme. O sucesso de crítica e de público de Os Incompreendidos ajudou a consolidar a carreira de Truffaut como cineasta, além de definir os modelos que seriam adotados por outros cineastas com relação à Novelle Vague, movimento que ganhou ainda mais força quando Godard lançou no ano seguinte Acossado (À bout de souffle, 1960) e Truffaut lançou Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois (Jules et Jim, 1962), seu terceiro longa-metragem.

Os Incompreendidos é mais do que uma narrativa de passagem e amadurecimento. É o início de uma saga cinematográfica personalíssima, subjetiva e intimista que atravessou duas décadas, com Antoine Doinel retornando em mais quatro filmes, todos eles interpretados por Jean-Pierre Léaud que mostram a evolução do personagem através dos anos: Antoine et Colette (curta-metragem de 1962 incluído na antologia de contos Love at Twenty), Beijos Proibidos (Baisers Volés, 1968), Domicílio Conjugal (Domicile Conjugal, 1970) e O Amor em Fuga (L’Amour en Fuite, 1979). Com Antoine, Truffaut construiu um alter ego no qual projetou muito de si mesmo, e com Jean-Pierre Léaud ganhou o cúmplice ideal para externar na tela seus anseios e sentimentos como cineasta e contador de histórias. O ator atuou também em outros filmes dirigidos por Truffaut fora do chamado “Ciclo Antoine Doinel”: As Duas Inglesas e o Amor (Les Deux Anglaises et le Continent, 1971) e A Noite Americana (La Nuit américaine, 1973). Léaud era um garoto comum de 14 anos que fez o teste para o papel depois de ver um panfleto de recrutamento mas que durante a produção do filme revelou sofisticação natural e compreensão instintiva de como atuar diante da câmera que impressionaram Truffaut profundamente. Leáud também firmou uma parceria com Jean-Luc Godard nos anos 60 que incluem filmes como O Demônio das Onze Horas (Pierrot le Fou, 1965), Masculino-Feminino (Masculin Féminin) e Alphaville, ambos de 1966.

Não é nem um pouco comum que um cineasta faça sua estreia nas telas logo com uma obra-prima, mas a exemplo do que Orson Welles fez com Cidadão Kane, François Truffaut conseguiu repetir esse feito com Os Incompreendidos. O filme é considerado não só um dos pilares da Novelle Vague, como é frequentemente incluído nas listas dos melhores filmes já produzidos pelos mais conceituados veículos de imprensa e associações de cinema.

IMDb: https://www.imdb.com/title/tt0053198/.

Imagem da Semana: Marilyn Monroe em O Rio das Almas Perdidas (1954)

Marilyn Monroe caminha de muletas com o pé imobilizado após sofrer um acidente durante as filmagens do faroeste O Rio das Almas Perdidas (River of No Return, 1954), dirigido por Otto Preminger. O filme foi lançado nos cinemas no dia de hoje, 30 de abril, em 1954.

Rodado em locações no Canadá e no estado americano de Idaho (local onde se passa a história), o filme foi produzido pela 20th Century Fox. As filmagens foram marcadas pelas desavenças entre o diretor Otto Preminger e a estrela Marilyn Monroe por conta da insistência da atriz em manter sua treinadora de atuação, Natasha Lytess, no set de filmagem o tempo todo. Por sugestão dela, Marilyn atuava com um sotaque carregado que irritou Preminger a ponto de ele telefonar para o produtor Stanley Rubin em Los Angeles, pedindo que Lytess fosse proibida de pisar no set. Ao saber da proibição, Marilyn ligou para o chefe do estúdio, Darryl F. Zanuck, e ameaçou deixar a produção caso Lytess não fosse readmitida no set. Sem escolha, Zanuck readmitiu Lytess. Irritado com a decisão, Preminger dirigiu sua raiva contra Marilyn pelo resto da produção e durante muito tempo se referiu com amargura sobre a experiência de ter trabalhado com ela. Somente décadas depois, em 1980, durante uma entrevista, Preminger mudou o tom e admitiu: “Ela se esforçou muito e, quando as pessoas se esforçam, você não pode ficar bravo com elas”.

Marilyn em uma cena do filme, como Kay, a cantora de um salão de dança que é encarregada de cuidar do filho pequeno de um condenado que é finalmente libertado da prisão.

Marilyn em uma foto publicitária para O Rio das Almas Perdidas, de 1954.

Marilyn Monroe com Robert Mitchum e o ator-mirim Tommy Rettig em O Rio das Almas Perdidas.

Durante as difíceis filmagens, Preminger também teve que enfrentar chuvas frequentes, o consumo excessivo de álcool do astro Robert Mitchum e uma lesão no tornozelo de Marilyn que a manteve fora do set por vários dias e, finalmente, acabou por fazê-la imobilizar a perna. Durante a filmagem de uma cena à beira do rio, a atriz escorregou em uma pedra e caiu no rio, e ela quase se afogou quando suas roupas se encheram de água e com o peso ela não conseguia retornar à superfície. Mitchum e outros membros da equipe pularam no rio para salvá-la. Ao final das filmagens, o filme ainda sofreu na montagem, com Preminger abandonando a pós-produção para viajar para a Europa. Insatisfeito com todo o processo de produção, o diretor pagou US$ 150 mil de multa rescisória de seu contrato com a Fox e jurou que não trabalharia novamente como funcionário de um estúdio de cinema. O editor Louis R. Loeffler e o produtor Rubin se encarregaram de completar o filme, com Jean Negulesco sendo chamado para filmar algumas retomadas. Mais tarde, Marilyn afirmou que considerava O Rio das Almas Perdidas o seu pior filme.

IMDb: https://www.imdb.com/title/tt0047422/.

Falecimentos: Don Murray (94)

O ator Don Murray – o último dos protagonistas que trabalharam com Marilyn Monroe que ainda estava vivo – faleceu nesta sexta-feira, 2 de fevereiro, aos 94 anos.

Murray fez par romântico com Marilyn em Nunca Fui Santa (Bus Stop, 1956), dirigido por Joshua Logan, papel que marcou sua estreia no cinema e lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e ao BAFTA como Estreante mais promissor no cinema.

Marilyn Monroe e Don Murray em uma foto publicitária de Nunca Fui Santa (Bus Stop, 1956), e em cenas do filme dirigido por Joshua Logan, que marcou a estreia do ator no cinema.

Nascido em 31 de julho de 1929, em Los Angeles, Donald Patrick Murray era o segundo de três filhos de Dennis Aloisius Murray, diretor de dança e gerente de palco da Broadway, e Ethel Murray (nascida Cook), ex-artista de Ziegfeld Follies. Após se formar no ensino médio, quando tinha 19 anos, trabalhou como recepcionista na CBS por US$ 17 por semana e estudou na Academia Americana de Artes Dramáticas. Logo começou a aparecer em episódios de seriados de TV como Studio One (1950), Kraft Television Theatre (1952) e Lux Video Theatre (1952). Murray fez sua estreia na Broadway na peça The Rose Tattoo (1951), como Jack Hunter. Após o serviço militar em que serviu em missões humanitárias na Europa durante a Guerra da Coreia, ele estrelou ao lado de Mary Martin na versão da peça de Thornton Wilder, The Skin of Our Teeth. Ao ver sua atuação na peça, o diretor Joshua Logan decidiu escalá-lo como Bo Decker, o ingênuo caipira de Montana que se apaixona pela cantora Chérie interpretada por Marilyn Monroe em Nunca Fui Santa, adaptação para as telas da peça de 1955 de William Inge, Bus Stop. Na época com 26 anos, Murray foi procurado pelos executivos da Fox para que assinasse um contrato exclusivo de longo prazo antes de receber o papel, mas ele resistiu e fez com que o estúdio concordasse com uma cláusula que lhe dava uma folga se quisesse retornar à Broadway.

Com o sucesso do filme, muitas oportunidades apareceram para o ator e ele logo acabou rescindindo o contrato. Seu filme seguinte foi o drama Despedida de Solteiro (The Bachelor Party, 1957), dirigido por Delbert Mann, adaptação para o cinema de uma produção para a TV escrita por Paddy Chayefsky sobre um jovem pai de família que durante uma festa de despedida com os amigos repensa os rumos que sua vida está tomando, e o drama Cárcere Sem Grades (A Hatful of Rain, 1957), dirigido por Fred Zinnemann, com Eva Marie Saint, onde interpretou um jovem pai de família viciado em morfina, um de seus trabalhos mais elogiados. Em seguida, Murray estrelou três faroestes, Caçada Humana (From Hell to Texas, 1958), dirigido por Henry Hathaway, Fama a Qualquer Preço (These Thousand Hills, 1959), dirigido por Richard Fleischer, e A Senda do Ódio (One Foot in Hell, 1961), com Alan Ladd. Ainda em 1961, buscando um papel mais desafiador, Murray apareceu no drama Almas Redimidas (The Hoodlum Priest, 1961), dirigido por Irving Kershner – que ele mesmo escreveu, produziu e estrelou como um padre jesuíta que dedicou sua vida a ajudar delinquentes em St. Louis.

Don Murray e Eva Marie Saint em uma foto publicitária para Cárcere Sem Grades (A Hatful of Rain, 1957), dirigido por Fred Zinnemann.

Foi uma escolha de Murray evitar o caminho para o estrelato típico da lista A em uma época em que o star system de Hollywood já começava a dar sinais de declínio. “Eu vim para Hollywood e eles disseram que eu precisava estabelecer uma personalidade com a qual o público pudesse se identificar e que fosse algo confiável para eles apoiarem”, disse o ator certa vez: “Eu fiz exatamente o oposto”. A carreira de Don Murray atravessou seis décadas, entre filmes para cinema e televisão, e seriados de TV, como The Outcasts, série de faroeste que ele estrelou como um caçador de recompensas e que foi ao ar entre 1968 e 1969, e durou 26 episódios, além de participações especiais em vários outros seriados, incluindo T.J. Hooker (1986), Murder, She Wrote (1993), Wings (1995) e Twin Peaks (2017). Ele também escreveu e dirigiu o drama policial A Cruz e o Punhal (The Cross and the Switchblade, 1970), sobre a vida real de um ministro cruzado de Nova York (Pat Boone) que também contou com Erik Estrada em sua estreia nas telas.

Outros de seus filmes mais importantes foram o thriller de ação De Mãos Dadas com o Diabo (Shake Hands with the Devil, 1959), com James Cagney, o drama político Tempestade sobre Washington (Advise & Consent, 1962), dirigido por Otto Preminger, com Henry Fonda e Charles Laughton, no qual interpretou um político que está sendo chantageado por um colega senador, o drama O Gênio do Mal (Baby the Rain Must Fall, 1965), com Steve McQueen e Lee Remick, o drama Sweet Love, Bitter (1967), no qual viveu um professor amargurado pela morte da esposa que faz amizade com um músico de jazz viciado em heroína (Dick Gregory), a aventura de ficção científica A Conquista do Planeta dos Macacos (Conquest of the Planet of the Apes, 1972), e o drama Herói ou Assassino (Deadly Hero, 1975). O ator foi visto ainda no drama romântico Amor Sem Fim (Endless Love, 1981), de Franco Zefirelli, e na comédia dramática Peggy Sue – Seu Passado a Espera (Peggy Sue Got Married (1986), de Francis Ford Coppola, com Katleen Turner. Após ficar vinte anos sem aparecer em um longa-metragem, Don Murray fez sua despedida nas telas em Promise, filme de 2021.

Don Murray com a primeira esposa, a atriz Hope Lange, com quem esteve casado de 1956 a 1961.

Em 1956, Don Murray casou-se com Hope Lange, com quem ele havia trabalhado em Nunca Fui Santa e que também fazia sua estreia no cinema. O casal teve dois filhos, Christopher e Patricia, e se divorciou em 1961. Em 1962, o ator se casou com a ex-modelo Elizabeth Johnson e tiveram três filhos, Colleen, Sean e Michael. Don Murray morava em Goleta, na Califórnia, e faleceu nesta sexta-feira, 2 de fevereiro de causas não divulgadas, aos 94 anos.

Aniversariante do Dia: Jean Simmons

Lembrando a atriz britânica Jean Simmons no dia de seu aniversário.

Jean Merilyn Simmons nasceu em 31 de janeiro de 1929 em Islington, Londres, filha mais nova de Charles Simmons, medalhista de bronze na ginástica nos Jogos Olímpicos de Verão de 1912, e de Winifred Ada Loveland. Jean tinha três irmãos, Lorna, Harold e Edna, e começou a atuar aos 14 anos. Jean queria ser dançarina e estudava em uma escola de dança quando foi descoberta pelo diretor Val Guest, que a escalou para viver a irmã mais nova de Margaret Lockwood, a grande estrela britânica da época, na comédia Give Us the Moon (1944). Em pouco tempo ela se tornou uma das maiores atrações de bilheteria do Reino Unido, principalmente após atuar no clássico Grandes Esperanças (1946), de David Lean, e na adaptação da tragédia de William Shakespeare, Hamlet (1948), de Laurence Olivier, pelo qual recebeu sua primeira indicação ao Oscar ao interpretar Ofélia.

Em 1950, Jean Simmons mudou-se para Hollywood junto com o primeiro marido, o ator Stewart Granger, e atuou em produções importantes como o drama Alma em Pânico (Angel Face, 1953), o épico O Manto Sagrado (The Robe, 1953), o romance histórico Désirée, o Amor de Napoleão (Désirée), o musical Eles e Elas (Guys and Dolls, 1955), a comédia dramática Esta Noite Ou Nunca (This Could Be the Night, 1957), o drama psicológico O Direito de Ser Feliz (Home Before Dark, 1958), o faroeste de William Wyler, Da Terra Nascem os Homens (The Big Country, 1958), o drama Entre Deus e o Pecado (Elmer Grant, 1960), dirigido por Richard Brooks, seu segundo marido, e o épico Spartacus (1960), dirigido por Stanley Kubrick, ao lado de Kirk Douglas. Com Richard Brooks, Jean Simmons fez mais um filme, o drama Tempo Para Amar, Tempo Para Esquecer (The Happy Ending, 1969), que valeu à atriz sua segunda indicação ao Oscar.

Jean Simmons e Laurence Olivier em Hamlet, de 1948, pelo qual ela recebeu sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

Jean Simmons com Gregory Peck no faroeste Da Terra Nascem os Homens, de 1958.

Jean Simmons teve uma carreira bem sucedida também nos palcos e na televisão, onde viveu papéis memoráveis como a matriarca Fee Cleary na minissérie para a TV americana Pássaros Feridos (The Thorn Birds), que lhe valeu um Emmy além de uma indicação ao Globo de Ouro. Em 2003, a atriz foi nomeada Oficial da Ordem do Império Britânico (OBE) pelos serviços prestados à atuação, e encerrou sua carreira vitoriosa atuando no filme britânico Shadows in the Sun, de 2009. Jean Simmons faleceu de câncer de pulmão em sua casa em Santa Monica, na Califórnia, em 22 de janeiro de 2010, nove dias antes de seu aniversário de 81 anos.

10 curiosidades sobre Jean Simmons

01. Após uma série de pequenos papéis no cinema ainda em seu país natal, a Inglaterra, Jean Simmons chegou a pensar em abandonar a atuação quando conseguiu o papel de Estella em Grandes Esperanças (Great Expectations, 1946), dirigido por David Lean e baseado no clássico de Charles Dickens: “Achava que atuar era apenas uma brincadeira, conhecer todas aquelas estrelas de cinema emocionantes e ganhar 5 libras por dia, o que era ótimo porque precisávamos de dinheiro. Mas tinha decidido ir embora, me casar e ter filhos como minha mãe. Foi trabalhar com David Lean que me convenceu a continuar”, afirmou a atriz, que passou a receber papéis melhores para interpretar.

Jean Simmons e Martita Hunt em Grandes Esperanças, de 1946.

02. Jean Simmons quase conseguiu o papel da princesa Ann em A Princesa e o Plebeu, de 1953, de William Wyler. Wyler ficou encantado com a atuação de Jean em A Lagoa Azul, de 1949, e tentou de todo modo obter seu empréstimo para a Paramount mas Howard Hughes, chefe da RKO Pictures, que a mantinha sob um contrato exclusivo, negou o empréstimo como uma forma de castigar a atriz, então casada com o ator Stewart Granger, por ela não aceitar seus favores sexuais. O papel acabou indo para Audrey Hepburn que ganhou o Oscar de Atriz já em sua estreia no cinema.

03. Jean Simmons é vista e principalmente ouvida cantando com sua própria voz no musical da MGM Eles e Elas (Guys and Dolls, 1955), dirigido por Joseph L. Mankiewicz e baseado no musical da Broadway de 1950, do compositor e letrista Frank Loesser. Jean e Marlon Brando deveriam originalmente ter suas vozes dubladas por profissionais durante suas canções no musical, mas Samuel Goldwyn os ouviu durante o ensaio e decidiu que mesmo não treinados ambos deveriam cantar por conta própria para dar mais autenticidade ao filme. Na década de 1970, Jean Simmons voltou a exercitar seus dons musicais ao excursionar pelos Estados Unidos em A Little Night Music, de Stephen Sondheim, e depois levou o show para Londres, apresentando-se no West End.

Jean Simmons e Marlon Brando em uma foto promocional para o musical Eles e Elas, de 1955.

04. Ainda sobre Howard Hughes e os anos terríveis em que esteve sob o controle rígido do estúdio, Jean Simmons descobriu que ele havia comprado os seis meses restantes de seu contrato de sete anos com a britânica Rank Organization sob um acordo verbal que proibia que ela fosse emprestada para outros estúdios. Para fugir do assédio de Hughes e recuperar sua liberdade, a atriz moveu um processo judicial contra a RKO que após um ano se resolveu em um acordo fora do tribunal no qual a atriz recebeu uma indenização de US$ 250 mil e o direito de trabalhar emprestada para outros estúdios; em troca, ela faria um último filme para Hughes. Depois disso, Jean Simmons nunca mais assinou um contrato exclusivo com qualquer estúdio de Hollywood.

05. Jean Simmons foi premiada com o OBE (Oficial da Ordem do Império Britânico) na Lista de Honras de Ano Novo da Rainha em 2003 por seus serviços à arte da atuação.

Jean Simmons e Kirk Douglas em Spartacus, de 1960.

06. Jean Simmons era uma das atrizes favoritas do diretor Cecil B. DeMille e ele queria escalá-la para o papel de Dalila em seu épico de 1949, Sansão e Dalila, atuando ao lado de Victor Mature, que durante a carreira de Jean em Hollywood foi um dos seus protagonistas mais constantes. Infelizmente, Jean estava presa a um contrato de sete anos com a britânica Rank Organization, e o papel acabou indo para Hedy Lamarr. Outros papéis perdidos por Jean Simmons foi o de Bonnie Parker em Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas (1967), que ficou com Faye Dunaway, os de Julie Andrews em Mary Poppins (1964) e A Noviça Rebelde (1965), os de Marilyn Monroe em A Malvada (1950) e O Pecado Mora ao Lado (1955), o de Jane Fonda em Klute – O Passado Condena (1971), o de Anne Bancroft em A Primeira Noite de um Homem (1967), e o de Shirley MacLaine em Laços de Ternura (1983).

07. Jean Simmons aparece em quatro produções indicadas ao Oscar de Melhor Filme: Grandes Esperanças (1946), Hamlet (1948), O Manto Sagrado (1953) e Entre Deus e o Pecado (1960), sendo Hamlet o único a receber o prêmio de Melhor Filme, além de dar a Jean sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Atriz ao interpretar Ofélia. Ela receberia uma segunda indicação ao Oscar por sua atuação em Tempo Para Amar, Tempo Para Esquecer (The Happy Ending, 1969). Jean Simmons também aparece em um filme que foi selecionado para o National Film Registry pela Biblioteca do Congresso como sendo “culturalmente, historicamente ou esteticamente” significativo: Spartacus (1960), dirigido por Stanley Kubrick.

Jean Simmons com o primeiro marido, o ator Stewart Granger.

08. Jean Simmons foi casada duas vezes. A primeira com o ator Stewart Granger, de 1950 ao divórcio em 1960, e depois com o diretor Richard Brooks, de 1960 ao divórcio em 1980, e teve duas filhas, uma em cada casamento: Tracy Granger (com Stewart Granger), nascida em 1956, e Kate Brooks (com Richard Brooks), nascida em 1961. Ambas receberam seus nomes em homenagem ao casal Spencer Tracy e Katharine Hepburn que eram grandes amigos de Jean.

09. Richard Brooks escreveu, produziu e dirigiu Tempo Para Amar, Tempo Para Esquecer (1969) especialmente para Jean Simmons, que no filme interpreta uma esposa com problema de alcoolismo, como uma forma de dizer à esposa que ela mesma tinha um problema com bebida. O casamento acabou em divórcio em 1980 não apenas devido ao alcoolismo da atriz mas também pelas tendências workaholic de Brooks. Em 1986, Jean buscou ajuda profissional para se livrar do vício do álcool. Ela teria começado a beber no final dos anos 50 ao passar por uma depressão quando os papéis importantes começaram a ficar cada vez mais raros.

Jean Simmons com o segundo marido, o diretor Richard Brooks, na cerimônia de entrega do Oscar em 1961.

10. Jean Simmons é uma das seis mulheres que recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz por uma atuação dirigida por seu marido, nomeadamente por Tempo Para Amar, Tempo Para Esquecer (1969), dirigido por Richard Brooks. As outras cinco são Elisabeth Bergner por Contudo És Meu (1935, dirigido por Paul Czinner), Joanne Woodward por Rachel, Rachel (1968, dirigido por Paul Newman), Gena Rowlands por Uma Mulher sob Influência (1974) e Gloria (1980), ambos dirigidos por John Cassavetes, Julie Andrews por Vitor ou Vitória? (1982, dirigido por Blake Edwards) e Frances McDormand por Fargo (1996, dirigido por Joel Coen). Jules Dassin também dirigiu sua futura esposa Melina Mercouri em uma atuação indicada ao Oscar de Melhor Atriz por Nunca aos Domingos, (1960), mas eles ainda não eram casados ​​no momento da indicação.

Fonte: IMDb.

Filmes: Uma Noiva em Cada Porto (1928)

UMA NOIVA EM CADA PORTO

Título Original: A Girl in Every Port
Ano: 1928
País: Estados Unidos
Duração: 78 minutos
Direção: Howard Hawks
Elenco: Victor McLaglen, Robert Armstrong, Louise Brooks, Maria Alba, Francis McDonald, Leila Hyams, Natalie Joyce, Eileen Sedgwick, Michael Visaroff, Henry Armetta.
Sinopse: Dois marinheiros que rivalizam por perseguir mulheres ao redor do mundo tornam-se grandes amigos. Mas quando um deles decide finalmente se estabelecer, a escolhida por ele acaba se tornando uma séria ameaça à amizade recém-formada.

Além de ter sido um dos maiores e mais versáteis diretores do período clássico do cinema americano, dirigindo dramas, comédias, faroestes e thrillers policiais, Howard Hawks também ficou conhecido pelo constante uso do tema da camaradagem masculina em muitos de seus filmes, sendo o mais notável o faroeste de 1959 Onde Começa o Inferno (Rio Bravo), que ele filmaria novamente em 1966 como El Dorado e em 1970 como Rio Lobo – todos estrelados por John Wayne.  Nesses filmes em específico, o relacionamento de amizade, lealdade e honra entre os personagens masculinos é bastante acentuado, se tornando basicamente o elemento fundamental da trama em detrimento a eventuais interesses românticos e cenas de ação, e de personagens femininas que acabam sendo ofuscadas. Nesse aspecto, Uma Noiva em Cada Porto (A Girl in Every Port, 1928), ganha uma dimensão ainda maior na filmografia de Hawks por vários motivos, o principal é por instituir aquilo que mais tarde ficou conhecido como bromance (o romance platônico ou simplesmente a camaradagem masculina) que nortearia vários dos filmes do diretor. Além disso, o filme representa o maior triunfo comercial da carreira silenciosa de Hawks, e também se destaca por apresentar Louise Brooks no papel de uma vamp interesseira e desonesta que foi a razão pela qual o cineasta alemão G.W. Pabst contratou a atriz para interpretar Lulu em seu monumento expressionista de 1929, A Caixa de Pandora.

Apesar de Louise Brooks só aparecer pela primeira vez aos 43 minutos, ela é literalmente a força motora que leva o filme adiante em termos de dramaticidade. Quando sua personagem, a artista de circo francesa Marie, mais conhecida como “Mam’selle Godiva”, surge executando seu número de acrobacia, ela não apenas desvia para si os olhares amorosos do personagem de Victor McLaglen como também rouba para sempre a atenção do espectador, cuja única preocupação a partir desse momento é esperar quando a atriz voltará à cena. O que seria uma história de camaradagem em um ritmo de comédia típica do cinema mudo com cenas corriqueiras de bebedeiras, conquistas amorosas e muita pancadaria, ganha seriedade e uma dimensão maior toda vez que Louise aparece. Uma Noiva em Cada Porto surgiu de uma ideia original de Hawks, que foi ampliada pelo roteirista James Kevin McGuinness com intertítulos escritos por Seton I. Miller e Malcolm Stuart Boylan, com a qual o diretor definiu alguns modelos cinematográficos que ele seguiria usando até o fim de sua carreira, além de ter sido a sua primeira história de amor entre dois homens, e por amor define-se que estes consideram a sua amizade mais importante do que o relacionamento com as mulheres.

Louise Brooks como a artista de circo “Mam’selle Godiva” em Uma Noiva em Cada Porto, de 1928.

Na trama, Victor McLaglen é Spike, um marinheiro grandalhão e de bom coração cujo fraco são as mulheres que ele conquista em suas viagens ao redor do planeta. Ele guarda seus nomes e endereços em um pequeno caderno em caso de retornar algum dia à cidade delas. De repente, ele se vê sem opção quando percebe que algumas se casaram e se tornaram mães e outras foram conquistadas por um rival desconhecido que sempre deixa com elas uma joia em forma de coração com uma âncora. Durante uma passagem pela América Central, ele se desentende com outro marinheiro, Salami (Robert Armstrong), e os dois iniciam uma briga que chama a atenção da polícia local. Na delegacia, Spike, percebe uma marca com um coração e uma âncora em seu rosto de um soco que levou de Salami e ao ver seu anel percebe que é ele quem está conquistando suas garotas. Spike faz questão de pagar a fiança de Salami apenas para que possam acertar suas diferenças lá fora. Eles acabam se embriagando e caem no mar, com Salami salvando a vida de Spike, que confessa que não sabe nadar (!!!???). A partir daí, se tornam amigos inseparáveis, cruzando os mares e participando de brigas e conquistas amorosas quando estão em terra firme.

O filme apresenta cenas curiosas, uma delas no melhor estilo Carlitos, quando Spike e Salami enfrentam toda uma força policial mas quando tentam ir para um lugar isolado para acertarem suas diferenças, sempre são interrompidos por um guarda local que aparece subitamente. Em um momento potencialmente engraçado, Spike tenta conquistar uma jovem em um bar enquanto Salami observa, mas tentando chamar a atenção do amigo e atrapalhar seu romance, inicia uma série de brigas com outros frequentadores do bar apenas para que Spike deixe a garota de lado e venha em seu auxílio. O momento mais tocante do filme, porém, é quando ambos vão visitar uma antiga namorada, e descobrem que ela se casou com um marinheiro e teve um filho, mas o menino que brinca com um barquinho na sala conta a eles que o pai desapareceu no mar. A viúva é vivida pela atriz Leila Hyams em um de seus primeiros papéis de destaque. Outra surpresa é a atriz Myrna Loy como uma garota asiática em Singapura, mas a cena em que ela aparece acabou cortada do filme em suas versões posteriores.

A atriz espanhola Maria Alba, creditada como Maria Casajuana, interpreta a garota do Rio de Janeiro em Uma Noiva em Cada Porto, de 1928.

A produção do filme, porém, gerou atritos entre o diretor e o chefe de produção da Fox Film Corporation, Sol Wurtzel, que havia contratado pessoalmente Hawks para dirigir filmes para o estúdio em 1925. Até aquele momento o estúdio era conhecido por seus filmes de baixo orçamento que conseguiam razoável retorno em bilheteria, e Uma Noiva em Cada Porto logo estourou o seu orçamento inicial por conta da variedade de cenários, alguns deles bastante exóticos representando as diferentes cidades pelos quais os personagens transitam – incluindo uma rápida aparição no Rio de Janeiro que lembra mais uma aldeia mexicana – e algumas cenas filmadas em alto-mar. O estúdio importou a atriz espanhola Maria Casajuana para Hollywood, especificamente para atuar em uma única cena com McLaglen. Ela interpreta Chiquita, a garota no Rio de Janeiro, e esse foi seu filme de estreia nos Estados Unidos. Mais tarde, a atriz usaria o nome artístico de Maria Alba até encerrar sua carreira em 1946. Um corte inicial do filme foi exibido para os chefes do estúdio em dezembro de 1927 e não agradou, o que deve ter levado à redução do corte com a perda de cenas com as garotas em Liverpool, uma ilha nos Mares do Sul, Singapura e Bombaim. Wurtzel disse a Hawks: “Este é o pior filme que a Fox fez em anos”. Uma Noiva em Cada Porto estreou em 22 de fevereiro de 1928 no Roxy Theatre na cidade de Nova York, e foi um sucesso de público e de crítica.

A versão mais completa hoje conhecida dura 78 minutos, mas carece de cenas com atrizes que foram citadas como parte de 10 garotas em diferentes portos, no folheto promocional da Fox (pôster ao lado da ficha técnica), que lista as atrizes Louise Brooks (como Marie, a garota em Paris), Gladys Brockwell (Madame Flore), Myrna Loy (Jetta, a garota de Singapura), Sally Rand (garota de Bombaim), Eileen Sedgwick (creditada como Greta Yoltz, a garota ciclista de Amsterdã), Elena Jurado (garota no Panamá), Natalie Joyce (garota no Panamá), Maria Alba (creditada como Maria Casajuana, como Chiquita, a garota no Rio de Janeiro), Dorothy Mathews (garota no Panamá), Natalie Kingston (garota da Ilha dos Mares do Sul), além de Phalba Morgan (como Lena, a garota da Holanda), Caryl Lincoln (garota de Liverpool), e Leila Hyams como a viúva de um marinheiro. O corte dessas cenas pode ser resultado também da censura da época, e embora o filme seja anterior ao advento do Código de Produção, este sofreu não só com cortes mas também precisou mudar o nome do rival e depois amigo de Spike (cujo nome pode ser traduzido como “espeto” ou “espiga”), de Salami para Bill – já que tanto “Spike” quanto “Salami” tornariam por demais óbvia uma insinuação sexual.

Myrna Loy interpreta uma garota asiática em uma cena com os personagens de Victor McLaglen e Robert Armstrong em Singapura, e embora a cena tenha sido incluída em versões do filme exibidas na França, ela foi cortada da versão em inglês exibida nos Estados Unidos, Espanha e Reino Unido.

De qualquer forma, é interessante notar como o filme está cheio de referências sexuais e certas liberdades cênicas ousadas. Em uma cena em que a personagem de Louise Brooks, já noiva de Spike, entra no quarto de Salami para o seduzir e o apanha ainda na cama, ele está vestindo apenas um camisolão, algo raro de ser visto em filmes da época. O mesmo vale para a cena de apresentação da personagem de Louise, que mostra a atriz em um maiô provocante subindo uma longa escada de madeira para atirar-se lá do alto em um tanque de água como parte de seu número, fazendo com que na queda a água espirre sobre Spike, molhando-o totalmente. Também é curioso que o recurso do objeto de reconhecimento das conquistas sexuais de Salami – que é uma joia com uma âncora que as garotas usam como pingente em pulseiras e tornozeleiras, e que faz com que Spike saiba que seu rival já esteve por ali antes dele, na personagem de Louise seja uma tatuagem dessa joia que ela mandou tatuar em seu antebraço esquerdo e por isso passa todas as suas cenas com uma pulseira cobrindo a tatuagem, quando seria mais simples usar uma joia que em algum momento Spike reconheceria, assim como ele reconheceu a tatuagem quando finalmente a viu. Mulheres com tatuagens não eram uma novidade nos anos 1920, mas era algo ainda pouco comum devido ao preconceito social da época e por isso eram mais usadas por artistas de circo e trabalhadores das classes menos favorecidas.

É ainda mais curioso o fato de toda vez que participa de uma briga, Salami destroncar os dedos da mão e pedir ao companheiro Spike que puxe os dedos colocando-os no lugar. Em seu livro Hawks on Hawks, o autor Joseph McBride perguntou ao diretor qual seria a razão para que um sujeito puxasse o dedo do outro em seu filme, e Hawks respondeu: “Você já bateu forte em alguém? Seu dedo sai da articulação e alguém o pega e o puxa de volta para a articulação. Eu bati em Hemingway e quebrei toda a parte de trás da minha mão. Eu gostaria que tivesse simplesmente saído da articulação”. Quando perguntado por que ele bateu em Hemingway, Hawks respondeu: “Ele apenas disse: Você pode me bater? Eu quebrei minha mão inteira. Ele riu muito e ficou sentado a noite toda fazendo uma tala com uma lata de tomate para que eu pudesse ir atirar com ele na manhã seguinte”. McBride então perguntou a Hawks se o lance dos dedos em Uma Noiva em Cada Porto seria um gesto de amizade que Hawks usou novamente com Kirk Douglas e Dewey Martin em O Rio da Aventura, de 1952. “É como John Wayne enrolando cigarros para Dean Martin”, respondeu Hawks: “Uma coisa que você pode fazer é olhar todos os filmes que eu já fiz e verá que ninguém dá tapinhas nas costas de outro. Essa é a coisa mais fútil que eu já vi.”

Além da versão mais conhecida de 78 minutos, existe uma versão ainda mais curta deste filme, possivelmente dos arquivos do TCM, exibida em festivais de cinema e com duração inferior a 64 minutos. O filme aparentemente está em domínio público e pode ser assistido de graça em vários canais no YouTube ou baixado em vários formatos direto do site Internet Archive. A Fox refez Uma Noiva em Cada Porto  como Goldie em 1931, com Spencer Tracy, Warren Hymer e Jean Harlow.

IMDb: https://www.imdb.com/title/tt0018937/.

Galeria:

Especial: Feliz Ano Novo

Um Feliz Ano Novo aos visitantes e seguidores do Assim Era Hollywood!

E Feliz Cinema Velho a todos.

Vamos comemorar o Novo Ano junto com algumas das grandes estrelas do passado:

Feliz Natal e Feliz Ano Novo!

O Assim Era Hollywood está encerrando sua programação de 2023. Um tempo para aproveitar a companhia dos amigos e parentes, descansar e recarregar as baterias para mais postagens sobre os Anos Dourados do Cinema no ano que vem. Retornaremos em 2024 assim que possível. Obrigado a todos os visitantes e seguidores do Assim Era Hollywood.

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Feliz Natal e Feliz Ano Novo para todos!